domingo, 25 de abril de 2010

Teoria?? Método?? De que estamos falando afinal??

As nossas interessantes discussões neste blog têm mostrado, entre outras coisas, como nossa terminologia é imprecisa. Ora falamos de método, ora de teoria, ora de paradigma. Talvez fosse bom colocar alguma "ordem na casa" para não ficarmos tropeçando nos brinquedos largados pelo chão. Penso que teríamos mais possibilidades de descrever melhor o que fazemos quando lemos a Bíblia se adotássemos uma visão mais ampla do processo de leitura. Esse processo tem quatro dimensões, das quais descrevo a primeira (para este post não virar um poste):

(1) Dimensão teórica. Por teoria entendo uma descrição bastante ampla e complexa, com alto grau de abstração, de um dado fenômeno em seu campo de atuação. Uma teoria não só oferece conceitos explicativos mas, principalmente, conceitos heurísticos, ou seja, orientadores da própria pesquisa que irá confirmar ou não a teoria. No caso da leitura, hoje em dia temos várias teorias disputando o espaço acadêmico (não entrarei no debate sobre o espaço eclesiástico, bem mais diversificado na prática, mas talvez nem tanto na teoria). Durante dois a três séculos, a teoria histórica dominou o cenário dos estudos bíblicos, desde o primeiro consenso wellhausiano sobre as fontes do Pentateuco. Dentro do trabalho histórico, porém, hoje em dia já não há mais consenso sobre que teoria da história utilizar - embora haja consenso (não unânime, é claro) a respeito de qual não utilizar mais. Desde o início do século XX, a teoria histórica tem sido confrontada pela teoria literária. Rendtorff, por exemplo, é da opinião que a crítica das formas foi o primeiro explosivo que causou a implosão do consenso histórico-crítico (pelo menos na pesquisa vétero-testamentária). Hoje em dia, várias teorias literárias disputam a hegemonia na pesquisa bíblica. Desde meados do século passado, teorias sociológicas e antropológicas começaram a disputar a hegemonia, especialmetne a partir do trabalho de Mendenhall sobre a aliança, aprofundado e ampliado por Gottwald. Desde a publicação de As Tribos de YHWH as teorias sócio-antropológicas não mais saíram do espaço acadêmico e, como nos outros dois casos alistados, várias teorias diputam esse espaço. Na trilha aberta pelas teorias sociais, entraram as teorias de gênero, raça e interculturalidade. No terreno da pesquisa bíblica a exegese feminista foi a que mais ruídos produziu no sistema e mais avançou a possibilidade de uma nova teoria interpretativa - a de gênero. Recentemente, a teoria da interculturalidade (ou da nova universalidade) busca preencher espaços similares. As teorias lingüísticas tentaram, mais de uma vez, entrar nesse espaço no século XX, mas foram rechaçadas pelos pesquisadores, basicamente pelo temor de que fossem ahistóricas, graças ao forte componente estruturalista e sincrônico das mesmas. Somente a partir dos anos 1980 é que teorias lingüísticas conseguiram conquistar espaço no mundo acadêmico, inclusive a semiótica e a análise do discurso (um dado adicional é que tais teorias vêm principalmente da França, um país e idioma periféricos na academia bíblica, que praticamente só sabe ler inglês e alemão). Mesmo assim, teorias lingüísticas só alcançaram alguma importância em escolas periféricas do mundo acadêmico da Bíblia (a Universidade de Sheffield, por exemplo). Hoje em dia, várias teorias lingüísticas, semióticas e do discurso diputam também o espaço acadêmico da leitura bíblica. Paralelamente a essas disputas, uma confrontaçao mais ampla tem se dado no ambiente bíblico-acadêmico. As novas teorias hermenêuticas do século XX, especialmente as de Gadamer e Ricoeur, acrescentaram um fator ainda mais disruptivo ao antigo consenso histórico, que se baseava primariamente na visão hermenêutica de Schleiermacher e Dilthey, que dava legitimidade teórica à busca da intenção do autor e do vínculo indissolúvel entre evento histórico e texto. Gadamer e Ricoeur (devedores de Heidegger e Wittgenstein, entre outros) romperam o consenso hermenêutico anterior. Criaram duas novas teorias do sentido: a de Gadamer que vincula o sentido do texto com sua recepção ao longo da história, sintetizada na expressão "fusão de horizontes"; a de Ricoeur, que enfatiza o fato de que o texto cria o seu próprio mundo, desligado do autor e dos acontecimentos após ser colocado em circulação, e ligado aos leitores e novos acontecimentos (Ricoeur só produziu algum impacto a partir da tradução de alguns de seus livros para o inglês). Esse consenso hermenêutico do século XX já está questionado, porém, especialmente nas obras de Derrida, Deleuze, Foucault, Rorty, Habermas-Apel, Vattimo e outros. Aos poucos essas teorias pós-hermenêuticas vão adentrando no espaço acadêmico bíblico, enfrentando ainda bastante resistência. Por fim (até onde consigo ler), as novas teorias pós-modernas sobre a mente, a linguagem e a evolução humana logo logo entrarão no campo da pesquisa bíblica, adicionando novas teorias ao já tão diversificado ambiente da pesquisa bíblica.

Em síntese, penso que é possível afirmar que estamos em um tempo de transição paradigmática. Um tempo como esse é marcado pela certeza de que o consenso paradigmático anterior não mais se sustenta, porém ainda não se conseguiu construir um novo, ou novos paradigmas de pesquisa. É tempo em que precisamos aprender a conviver com certezas incertas e apreender o alcance e os limites das novas teorias que disputam espaço no ambiente bíblico. Novo ou novos consensos não se formarão a partir de nossa voluntariedade, mas a partir de "acidentes" que, distribuídos ao longo do espaço da pesquisa bíblica globalizada, chegarão a um porto "seguro".

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