segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mt 15.21-28. Uma mulher e tanto!

Esta é a minha vez de escolher um texto para análise.

Optei pelo pequeno texto conhecido como "a mulher cananeia". Trascrevo abaixo a perícope (utilizarei nas citações a versão da Bíblia Almeida Atualizada):

Mt 15.21-28

21 Partindo Jesus dali, retirou-se para os lados de Tiro e Sidom.
22 E eis que uma mulher cananéia, que viera daquelas regiões, clamava: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoninhada. 23 Ele, porém, não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos, aproximando-se, rogaram-lhe: Despede-a, pois vem clamando atrás de nós. 24 Mas Jesus respondeu: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. 25 Ela, porém, veio e o adorou, dizendo: Senhor, socorre-me! 26 Então, ele, respondendo, disse: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. 27 Ela, contudo, replicou: Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. 28 Então, lhe disse Jesus: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigo como queres. E, desde aquele momento, sua filha ficou sã.

Este texto sempre me fascinou. Primeiramente, por ter uma mulher como personagem central (não é Jesus?!). Bem, isso não é novidade. Há outros textos bíblicos que colocam as mulheres em destaque. Mas sou atraído por essa narrativa porque ela manifesta uma faceta de Jesus incomum, estranha, até mesmo machista. Afinal, ele resiste em dar respostas à mulher.

Por isso tudo, vamos conversar sobre Mt 15.21-28.

Destaco, inicialmente, a presença discreta do narrador. Ele está presente no início da narrativa apresentando cenários (Tiro e Sidom) e personagens (Jesus, a mulher cananeia, a filha, os discípulos); na conclusão (v. 28b); e no decorrer da história fazendo a mediação entre os personagens em diálogo. Essa característica é típica do narrador mateano. Se compararmos essa mesma perícope com a de Marcos, veremos que ali o narrador está mais presente. Cito um exemplo apenas:

Mt 15.22
"E eis que uma mulher cananeia, que viera daquelas regiões, clamava: Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoninhada"

Mc 7.25-26
"porque uma mulher, cuja filhinha estava possessa de espírito imundo, tendo ouvido a respeito dele, veio e prostrou-se-lhe aos pés. Esta mulher era grega, de origem siro-fenícia, e rogava-lhe que expelisse de sua filha o demônio".

Em Mateus o narrador apenas menciona a origem da mulher e introduz seu clamor. Marcos, além de apresentar tal identificação, explica que a filha da mulher estava possessa, e que a mãe veio até Jesus e rogava-lhe que expelisse o demônio. Mateus opta por colocar tais informações na boca da mulher em forma de discurso direto.

Qual a implicação disso? Por um lado, minimizar o contato do narrador com os leitores. O efeito? Diminuir o volume de certezas que o narrador, sendo confiável, fornece a eles. Uma vez que em Mateus são os personagens que falam, cabe ao leitor julgar suas posturas mediante suas falas.

Por outro lado, a implicação é que os diálogos, que apresentam-se no tempo presente, em oposição às descrições narrativas no passado, tendem a imprimir na narrativa uma maior proximidade com os leitores. Lemos os diálogos como se estivessem ocorrendo no momento da leitura. Somos chamados, então, a reagir e a desenvolver opções mais rapidamente. Dessa forma, a narrativa em Mateus apresenta uma instância dialogal (texto-leitores) mais intensa.

Fico por aqui, por enquanto!

2 comentários:

  1. Leonel, gostei bastante de ler seu comentário. Realmente em Mateus o autor não tenta influenciar seus leitores como faz Marcos. Esta é uma característica importante do evangelho, que nos mostra sua particular maneira de influenciar e convencer os leitores ou ouvintes. Parece-me que ele deseja que as pessoas sejam seguidoras de Jesus, e não dele mesmo.

    Aguardo mais análises, pois o papel do narrador de Mateus, principalmente em relação a promessas para a eternidade como compensadores religiosos, será meu próximo tema de pesquisa, no doutorado se tudo correr bem.

    Há mais algo a dizer sobre o Jesus "estranho" que esta perícope apresenta?

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  2. Anderson,

    Obrigado pela mensagem.

    Penso em explorar outros aspectos da narrativa, como os personagens e o enredo.

    Quanto ao narrador, se não teve contato com minha tese, que trata do narrador em Mateus, pode baixa-la no site da Unicamp:
    http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000381784

    Basta cadastrar uma senha.

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