sábado, 24 de julho de 2010

Foucault, Caputo e o discurso bíblico. Uma tentativa de compreensão

Tenho que reconhecer que precisei de um tempo para compreender as implicações do que o Júlio apresentou a respeito de Foucault e de Caputo nos posts anteriores. Portanto, desde o início aponto para o caráter precário das observações abaixo.

Julgo extremamente relevantes as análises apresentadas. Por isso, tento sintetizar, segundo meu contexto de recepção e de influências, aqueles pontos que me chamaram mais a atenção.

Começo com Foucault. Primeiro, não sou leitor de seus textos. Aleatoriamente leio alguma coisa que ele escreveu. Por isso, dialogo com ele por interméido do texto do Júlio. Bem, na realidade, sempre há mediadores em nossas leituras.

Salvo engano de minha parte, Foucault descarta uma leitura e uma interpretação livres de influências. Bem, isso já foi apontado por outros. Mas ele avança propondo que determinados grupos constroem seus discursos apresentando uma visão de mundo e de valores próprios. Parece-me que nesse ponto ele se aproxima da sociologia do conhecimento.

Nesse caso, os protestantes brasileiros, os católicos, os pentecostais etc, por exemplo, terão determinado discurso composto por elementos constituintes que, mais ou menos, se projetarão em discursos individuais ou de grupos específicos dentro do grupo maior criando identidade e diferenciando-os dos demais. É dentro desse quadro que, parece-me, são introduzidos o "comentário, a autoria e a disciplina".

Eles são muito elucidativos. Qualquer leitor poderá conferir em sua tradição religiosa, mas não apenas nela - também no clube que frequenta, na empresa em que trabalha - a presença desses itens. No caso da interpretação bíblica eles são muito claros. Para mencionar apenas um deles, o "comentário", é visível como exerce um papel ideológico. Por exemplo, um documento produzido por determinado orgão diretivo de um grupo religioso, mesmo que se remeta à Bíblia como sua fonte, se tornará, em termos concretos, mais autoritativo do que a fonte à qual afirma ser um comentário. O mesmo se dá com as chamadas confissões de fé. Embora elas se remetam à Bíblia como sua origem, e várias delas afirmem que podem ser alteradas se forem constatados erros e inconsistências, na prática elas se transformam em códigos hermenêuticos de interpretação das Escrituras. Ou seja, estas devem ser interpretadas segundo as confissões de fé.

Quanto a Caputo, sou total ignorante a seu respeito. Fui apresentado a ele no post do Júlio. Mas gostei do que li. Obviamente não posso entrar na discussão desse teórico com Heidegger, Gadamer e outros. Mas, se entendi um pouco de seu pensamento, ele se aproxima dos pós-estruturalistas que reagiram ao estruturalismo de origem francesa, que advogava uma ordem interna dos textos, independente de condicionamentos externos (históricos, sociais, psicológicos etc). O pós-estruturalismo explodiu em variadas vertentes, das quais gosto do francês Roland Barthes, que parece ter pontos em comum com Derrida.

A desconstrução proporia não destruir os textos, inicialmente aqueles de cunho filosófico, mas procurar os mecanismos de construção, influência, oposição dentro deles, muitas vezes inconscientes a seus autores para, tomando-os como ponto de partida, criar novas interpretações e compreensões.

A aplicação à hermenêutica por Caputo parece-me instigante, embora seu ponto de vista se aproxime de uma série de teóricos recentes da teologia e da hermenêutica bíblica, uma vez que reconhece que a hermenêutica, antes de criar processos de fechamento de interpretação de textos bíblicos, deve reconhecer que os textos estão em processo de interpretação mútua, muitas vezes desconstruindo uns aos outros. Afinal, não é isso que Paulo e os evangelistas fazem com o Jesus Histórico? Ou mesmo o livro de Atos faz em relação ao evangelho de Lucas? Ou mesmo no AT, onde parece que o livro de Crônicas desconstrói o de Reis?

Do ponto de vista pragmático, acho que é relevante, dentro da proposta de Caputo e também de Foucault, o fato de que os textos bíblicos propõem a nós, leitores, que continuemos o processo de interpretação/atualização/desconstrução já iniciados em livros do AT, operado do NT em relação ao AT, e que se segue com os Pais da Igreja, com os intérpretes da Idade Média, com os reformadores etc, chegando a nós.

Claro que esse processo implica custo, risco e seriedade. Talvez seja esse o motivo pelo qual muitos o negam. Afinal, é mais fácil nos apegarmos a regras interpretativas e pronto. Mas julgo que muito da crise do cristianismo atual se encontra nessas questões e que decisões que forem tomadas a esse respeito apontarão para caminhos de relevância ou irrelevância cristã diante da sociedade.

2 comentários:

  1. Kharis kai eirene

    Prezado Leonel, meus parabéns por esse excelente e instigante texto. Tanto o anterior como o presente foram muito esclarecedores.
    Sinto-me como se estivesse em uma de suas aulas.

    Parabéns

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  2. Esdras,

    Agradeço muito tua mensagem e fico feliz por este blog estar sendo útil.

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