sexta-feira, 23 de julho de 2010

Vamos brincar de hermenêutica filosófica

John Caputo é um filósofo-teólogo ítalo-americano. Autor de grande número de livros e artigos, é o mais criativo e produtivo leitor norte-americano de Derrida. Seu interesse principal é a filosofia da religião e ele fez de Derrida um crente pós-metafísico, um que certamente pode passar por ateu (auto-definição de Derrida), mas profundamente religioso - desconstrutivamente falando.

Dentre os vários temas da filosofia da religião, Caputo se interessou por um tempo pela hermenêutica e, naturalmente, construiu sua proposta hermenêutica a partir do diálogo com Derrida. Para Caputo, a filosofia hermenêutica teve uma possibilidade de superação em Heidegger (que jamais a superou) e na esquerda heideggeriana, mas foi abortada pela hermenêutica conservadora de Gadamer. O caminho possível para uma hermenêutica pós-metafísica, segundo Caputo, é o da desconstrução derrideana. Vejamos uma de suas descrições desse caminho:

“Mas mesmo o retorno à própria aletheia não passa de metafísica para Derrida, a metafísica da vizinhança e da proximidade, da verdade e da presença brilhante, ao redor da qual um heideggerianismo de esquerda começara a tomar forma. Para Derrida, o Heidegger tardio foi bem sucedido, não em lançar uma crítica desconstrutiva da fenomenologia hermenêutica, mas apenas em criar outro entalho na onto-hermenêutica da verdade do Ser. Derrida não tem inclinação para o círculo ou para a "pertença-mútua" de "Ser" e "homem", e nenhum interesse na metafórica da proximidade, simplicidade, unidade, regresso ao lar, nem no mistério que pontua o Heidegger tardio. Se a obra de Gadamer é uma hermenêutica conservadora, e a do Heidegger tardio uma repetição mais profunda da hermenêutica; a de Derrida não visa ser uma hermenêutica enquanto tal, mas uma delimitação, uma desconstrução da hermenêutica enquanto nostalgia do significado e da unidade. Destes três pensadores, Derrida é, indiscutivelmente, o mais fiel para com o fluxo, o mais suspeitoso para com todas as tentativas de frear seus movimentos ou, para utilizar sua impressionante expressão, a tentativa de "arrastar o jogo". Derrida possui um lado mais nietzscheano do que Heidegger ou Gadamer, um olhar mais profundamente suspeitoso, um senso mais aguçado da fragilidade das construções do nosso pensamento e da contingencialidade de nossas instituições”. (Caputo, John. Radical Hermeneutics. Repetition, Deconstruction, and the Hermeneutic Project. Bloomington: Indiana University Press, 1987, p. 97)

Uma hermenêutica radical, segundo Caputo, então, seria uma não-hermenêutica, ou uma inserção no fluxo contínuo e desimpedido da invenção e reinvenção de textos e conceitos. Seria o reconhecimento de que o projeto hermenêutico (ou exegético, no caso da Bíblia) implode em sua própria concretização, na medida em que jamais cessa de interpretar, embora continuamente afirme a "última" interpretação, o alcançar da Verdade do Ser. A não-hermenêutica radical afirma, por outro lado, o verdadeirar do sendo, a constante busca pela prática verdadeira na historicalidade do existir-em-sociedade. Nunca uma última palavra, nunca a Verdade-do-Ser. Sempre a interrogação, sempre a busca, sempre o retrospectivo olhar adiante.

Ou, como teria descrito Paulo, "Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser adulto, desisti das coisas próprias de menino. Porque, agora (que cheguei a ser adulto), vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor" (I Co 13,11-13).

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