segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Bíblia: Mentira ou Mito?

Sob o título provocador (mas não escarnecedor) "Bíblia: Mentira ou Mito?" eu gostaria de propor uma discussão metodológica sobre um dilema dos estudos bíblicos do século XX, e que me parece longe de estar resolvido no começo deste novo século.
O tema é antigo e não cabe aqui neste blog um tratamento histórico do problema. Mas podemos levantar questões básicas para reavivá-lo. O conceito de Mito é um verdadeiro patinho feio no universo dos estudos bíblicos. A exegese científica nascida do liberalismo do século XIX tinha como tarefa desvelar o texto bíblico de sua roupagem mítica. Este é o contexto no qual os milagres, atribuídos ao universo mítico e supersticioso dos primeiros cristãos, deveriam ser explicados por causas naturais (ou pela teoria do engodo). É este também o contexto que nos fez dividir as tradições sobre Jesus de Nazaré em tradições de um Jesus histórico e as de um Cristo da . Se substituirmos a palavra da fé por mito, teremos uma contraposição fundamental na qual o tratamento do mito foi inserida. Bultmann não foi, portanto, o primeiro, mas sim o mais ingênuo dos desmitologizadores. Ele propos sem escrúpulos despir o texto bíblico de sua roupagem exótica e envelhecida que era o mito, para, com novas vestes da filosofia existencialista heideggeriana poder torna-lo relevante para o homem moderno. O resultado do projeto foi muito desastroso. A teologia de João e a de Paulo não queriam dizer muito mais que abandonar a idolatria pecaminosa da pretensa autosuficiência humana e abrir-se ao futuro de Deus. Mas não obstante o visível empobrecimento da mensagem evangélica no projeto de desmitologização de Bultmann, a rejeição do Mito teve escola em outras vertentes teológicas.
A Teologia da Esperança e as demais teologias políticas, incluindo a Teologia da Libertação, resistiram ao Mito contrapondo-o ao conceito de história ou de revelação de Deus na história, ou ainda contrapondo a compreensão cíclica de história de (algumas) vertentes míticas à dinâmica escatológica da história da salvação. O Êxodo acontece na história, movendo-se em direção a uma nova realidade, não e um eterno recomeço ou o retorno a um tempo de origem idílico. Creio que de modo inverso, mas análogo, o conservadorismo teológico fundamentalista ou conservador evangélico também é filho do Iluminismo, ou seja, não quer partilhar de estruturas de pensamento confusas, ambigüas e primitivas, mas tornar o evangelho perfeitamente compreensível e positivo para o senso comum do homem burguês. Trata-se de uma compreensão essencialista e ingênua da linguagem bíblica que nega as virtudes míticas de sua expressão em prol de uma positividade histórica.
Uns dos problemas mais importantes desta discussão não é apenas nos defendermos do racionalismo positivista ou do historicismo messiânico, mas em saber se há vantagens em redescobrir e em revalorizar a estrutura mítica da linguagem bíblica. Talvez para retomarmos esta discussão devamos nos perguntar sobre o que é o Mito e que implicações traz para a leitura da Bíblia o reconhecimento do caráter mítico de sua linguagem.

2 comentários:

  1. Achei muito relevante você levantar esse tema para discussão.Nós estudantes universitários ouvimos muito, em aulas de literatura, se referirem à Bíblia como mito, o que muito nos estimula a conhecer sobre o assunto.
    Você levanta uma pergunta importante para ser analisada sobre as implicações que poderão surgir para a leitura da Bíblia, o reconhecimento do caráter mítico de sua linguagem.

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  2. Olá Paulo.
    Sim, também acho que o grande problema da questão do mito na exegese seja o seu encaixe nos antagonismos “mentira x verdade” e “ '(H)histórico' x não histórico" (ou pior, ficcional), de acordo com as concepções modernas desses conceitos. O Mito tem a sua lógica particular de verdade e sua visão própria de interpretar e (re) criar a história (como fazem, mesmo não admitindo, aqueles que o descarta e gostam de falar "do (H) histórico"...).

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