sábado, 21 de agosto de 2010

Mito e linguagem. Por favor, pode me emprestar os seus óculos?

A reação do Júlio ao meu post – Mito e Linguagem – foi deveras substancial.

Li, reli e, ao invés de achar, como poderia parecer em uma primeira leitura, que o Júlio se opôs utilizando outra via teórica, penso exatamente o oposto. Acho que estamos falando a mesma coisa a partir de ângulos diferentes, ou, seguindo o subtítulo desta mensagem, com óculos diferentes.

Por isso mesmo, peço o favor do Júlio para usar o óculos que utilizou, não do ponto de vista teórico, mas sim do argumentativo, para desenvolver os parágrafos abaixo. Obviamente esses óculos ficam muito melhor nele do que em mim.

A língua é fruto da vida social, econômica, política, psicológica, religiosa etc, etc, etc de um povo. Por isso mesmo, povos sob condições diferentes de vida e em momentos diferentes tendem a ter variações linguísticas. Isso se dá mesmo dentro de um determinado idioma. O português do Brasil é diferente do de Portugal. O inglês da Inglaterra, dos EUA, do Canadá, da Austrália, da Escócia e demais países que falam esse idioma possue variações. Por quê? Pela vivência específica e particular de cada um desses povos.

Mas acho que a discussão vai mais além. Ela trata de aceitar ou negar que a língua evolua. Bem, isso também é uma verdade. Em uma direção ela tende, pelo menos do ponto de vista de seu uso, a buscar simplificações. No português tivemos, a título de exemplo: vossa mercê, voismecê, você, ocê. Por outro lado, dentro de questões que visam expressar linguisticamente novas realidades, temos inovações, complicações e atribuições de novos sentidos. A cinquenta anos termos como pen drive, disco rígido, mouse, software, deletar, e outros, ou existiam com outro sentido ou simplesmente não existiam. O vocabulário da informática surge a partir da evolução tecnológica. Isso é claro com o hebraico bíblico e o grego coiné, que utilizam um vocabulário relacionado com certo arco temporal, social e tecnológico.

E, nesse contexto, é claro também que as culturas que viveram sob as línguas bíblicas as utilizaram nas diversas expressões de suas vivências. Concordo plenamente com o Júlio a esse respeito (acho que tudo o que disse até agora também está em concordância!). O vocabulário para a guerra era um, o do culto era outro, o do amor outro e assim por diante. Mas, não devemos negar, o contexto religioso, com seu vocabulário, era preponderante.

O que se vê na modernidade é a exclusão do espiritual e de seu vocabulário. Por isso mesmo, quando vemos dois crentes se cumprimentando e dizendo: “A paz do Senhor”, isso soa muito estranho. Convém lembrar também que o vocabulário do sentimento e do amor também foi relegado a em um canto escuro das relações interpessoais.

Concordo com o Júlio que os antigos não eram pré-racionais. Eles tinham sua racionalidade, mas o fato é que ela era guiada, em maior ou menor proporção, pela realidade de Deus ou dos deuses. O homem moderno, com sua racionalidade, negou Deus e abandonou o vocabulário relativo a ele. O pós-moderno resgasta a espiritualidade e a relação com Deus e com os deuses de uma forma ainda não muito bem definida.

Concordo também que mito não deve ser entendido com antagonista da razão. Penso que não foi isso que quis dizer. Quis dizer, utilizando Frye, que aquilo que o racionalismo intitula de mito encontra sua expressão e vivência em formas de linguagem estranhas a esse homem racional, em um mundo onde narrativas e poemas que falavam de Deus ou deuses eram totalmente compreensíveis... e racionais.

Para finalizar, o mito, do ponto de vista literário, como descrito por Aristóteles, deve ser compreendido como enredo, trama. Por isso, Não há um ser humano que não viva seu mito ou que não sonhe com ele. Mas, como disse na mensagem anterior, acho que vale a pena gastar uma mensagem para discorrer sobre isso.

Bem, devolvo os óculos ao Júlio, agradecendo por ajudar-me a ver melhor o tema em discussão.

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