quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Não há mitos na Bíblia!

O Paulo lançou bem o debate, explicou os parâmetros da questão e deixou a bola na marca do pênalti. Vou dar meu chute, sob inspiração cazuziana: "exagerado"!

O título do post é deliberadamente ambíguo. Parece libelo fundamentalista, mas também pode ser uma tirada desconstrucionista. Porém, para mim, não é nenhuma dessas duas coisas. Deixe-me explicar: para mim não há mitos na Bíblia, porque a Bíblia é mito; é fantasia; é ficção. Na Bíblia há textos mais ou menos históricos, mais ou menos "científicos", mais ou menos filosóficos. E mesmo esses textos, são mítico-históricos; mítico-filosóficos, etc., etc., etc.

Primeiro argumento. Quando a gente lê obras de História de Israel por historiadores críticos ou mesmo fundamentalistas, uma das brigas é a da fidedignidade. Para os críticos, o relato do êxodo não é fidedigno, porque não se pode provar cientificamente que Israel esteve no Egito, etc. Para os fundamentalistas, o relato do êxodo é fidedigno, porque Deus tem poder suficiente para livrar Israel do Egito, etc. Inútil discussão. Perda de tempo. Por quê? Porque o termo fidedigno está sendo sacaneado na discussão. Fidedigno é aquilo que é "merecedor de fé". Mas nem os críticos, nem os fundamentalistas estão disputando sobre a fé, ambos disputam sobre a verdade, sobre a ciência, sobre a razão. Ambos defendem o critério de que a veracidade do texto está na correspondência do relato com o fato!

Segundo argumento. Se a Bíblia é mito, fantasia, ficção, a sua fidedignidade não depende da facticidade dos relatos, poemas, etc. Depende do projeto de vida que ela propõe. E se ela é mito, seu projeto de vida também é mítico, de modo que a adesão não é por "argumentos" ou "razões" (ao modo moderno desses termos), mas por paixões, por valores, por identificações (e se você precisa de uma autoridade racional para esta tese, leia Spinoza, ou Kierkegaard, ou Rorty, ou Derrida, ou Adorno e Horkheimer, ou Benjamin, ou Vattimo, ou ...). Em outras palavras, o mito pede resposta subjetiva, e não objetiva. E se a resposta é passional, subjetiva, não se trata de aceitar os detalhes, de deslindar os mistérios, mas de adotar a proposta já "filtrada", dialogada, incorporada em nosso modo mítico de ver e viver o mundo. Assim, posso aceitar o projeto de vida libertador dos antigos israelitas, sem me ocupar de sacrifícios, templos, reis, tribos ...

Terceiro argumento. Mito, fantasia e ficção são os motores da vida humana, e não a ciência, a objetividade e a razão instrumental moderna. Estas últimas são coisas boas e muito úteis. Precisamos delas, não podemos viver sem elas (imagine um hospital sem ultrassom, ressonância magnética, anestesia...). Mas não são elas que nos fazem acordar de manhã para viver mais um dia. Saio da cama diariamente porque mitos, fantasias e ficções se apossam do meu corpo e não deixam que a objetividade de um mundo vazio e sem sentido me faça cair em depressão. É a fantasia da felicidade, é o mito da boa vida, é a ficção da solidariedade transformadora que me tiram da cama e me fazem viver, abraçar minha esposa, beijar meu neto, dar um "pedala robinho" na nuca do meu filho, trabalhar, ler, estudar, ensinar, bloguear ...

Quando me perguntam por que creio em Deus, a única resposta que consigo oferecer honestamente é: "por que Ele e eu conversamos todos os dias". Não há mitos na Bíblia. Bíblia é mito! Fé é fantasia! Exegese é ficção! "Exagerado!"

2 comentários:

  1. Ótimo comentário professor! Parabéns pela argumentação!

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  2. Olá Julio ...
    Estou aparecendo textualmente nos seus posts só agora, contudo virtualmente tenho acompanhado seus textos.
    Quanto a este, faço coro com o Rogério; Parabéns pela argumentação.
    Exagerado? Que isso !!! Isso é a boa medida.
    Pra mim, a inspiração é Carol-Jorgiana. "É isso aí".

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