sábado, 23 de outubro de 2010

Cantares. Amor público ou privado?

O texto que temos discutido, assim como o livro que o contém devem, necessariamente, despertar uma série de questionamentos de nossa parte, como cristãos do século XXI.

Obviamente elas se inserem, antes mesmo de aspectos técnicos de interpretação, como a exegese do texto hebraico, em uma história da leitura e da interpretação do livro. Essa faceta já foi abordada, mas aproveito para destacar apenas um aspecto. O fato de que toda leitura é uma releitura, é uma apropriação que gera sentidos a partir do encontro de um texto imutável com leitores mutáveis, muito mutáveis. Já discutimos isso no blog.

É esse fato epistemológico que deve nortear não apenas as análises acadêmicas, mas também nossa postura como leitores em busca de fruição e de orientação (norma, segundo o Júlio) em Cantares. Quero dizer que precisamos ter consciência de que quando interpretamos o livro como um libelo ao amor, como uma proclamação de seu poder, essa interpretação só é possível pelo contexto em que vivemos hoje.

Certamente a 80 anos ela seria, se não impossível, pelo menos muito rara. No contexto de casamentos tratados como negócios que visavam a manutenção do poder de dinastias e relações políticas entre famílias, o olhar para Cantares seria outro.

Dentro desse contexto quero entrar no tema de meu post. A revolução sexual dos anos 60 trouxe a discussão e liberação sexual, exemplificadas na descoberta da pílula anticoncepcional. O interessante é que, na contramão, a igreja passou a tratar o sexo quase que exclusivamente como algo privado. Isto é, não era assunto para ser abordado em público. No Brasil, o tema vinha à tona apenas quando se tinha que disciplinar meninas pegas com "barriga grande".

Amor: público ou privado? Essa é a dúvida agônica pela qual a igreja evangélica passa atualmente. Pode-se dizer que a igreja tem tratado do assunto com seus membros mediante classes e encontros de casais. Bem, fora as raras exceções, os temas são os de sempre, e geralmente não atingem os problemas que deveriam. Se não, por que entre os evangélicos continua a aumentar o número de divórcios? E muito provavelmente outros problemas, como o aborto não são tão raros?

O amor e o sexo são tratados publicamente quase como uma brincadeira. Fala-se aquilo que todos sabem, aquilo que é pasteurizado e que não chocará ninguém e não trará denúncias de líderes moralistas, que dirão que seus pastores e lideranças estão falando de obcenidades. Enquanto isso, suas famílias, suas filhas...

O amor, e, principalmente o sexo, são temas públicos na sociedade. Mas de forma banalizada. O Júlio abordou essa questão em seu último post. As sacanagens são exaltadas, as piadas picantes são constantes, e a pureza das meninas do interior é execrada. Além do sexo ser visto como uma fonte imensa de renda através da mídia que nos traz filmes, propagandas, livros etc, etc, etc.

E nós? O amor e o sexto continuam no privado. E, nesse caso, somos parecidos com a sociedade. Há sacanagem e há moralismo. Desculpem a rudeza.

Mas é mais do que hora de trazermos nossas questões à tona. De termos a coragem evangélica (que vem do envangelho) de falarmos a verdade, para que A Verdade, Jesus Cristo, nos liberte de nossos temores, fraquezas e mesmo vícios.

Somos nós, em tese, que temos condições de discutir e praticar o amor/sexo de forma bonita, prazerosa, santa. Se não recuperarmos esse privilégio, continuaremos sendo uma fraca e triste imagem, seremos com o Quixote, "Cavaleiros da Triste Figura", em um mundo semelhante a nós: escuro, triste e doente.

Talvez, contrariando um pouco a proposta de Cantares, seja hora de "despertarmos o amor". Isso é arriscado. Mas é a comunidade de Jesus Cristo, habitada pelo Espírito Santo, que deve assumir esse risco.

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