terça-feira, 16 de novembro de 2010

Filemon - pessoal versus institucional

Gosto de ler essa pequena cartinha - um bilhete - sob a ótica da polêmica pessoal versus institucional. Isto tem a ver com minha biografia cristã. Em minha conversão, tornei-me membro de uma igreja evangélica cuja ideologia era basicamente a "mude a pessoa que a sociedade muda junto". Uma ideologia confusa - que confundia o pessoal e o institucional, subordinando este àquele. Depois, ao longo da minha trajetória no cristianismo, fui ficando ecumênico e "latino-americano", descobrindo uma nova ideologia: "não basta mudar a pessoa, é preciso transformar a sociedade". Então, o institucional subordinava o pessoal. Posições opostas, mas dentro do mesmo binarismo. Dois fracassos.

Agora estou aprendendo - tenho certeza que uma alternativa àquelas ideologias é possível, mas não posso descrevê-la contundementemente - um outro jeito de pensar e viver a fé cristã na sociedade globalizada. Pessoal e institucional se sobredeterminam o tempo todo, um tentando incorporar e assimilar o outro à sua lógica. Não conseguem, por isso sempre se posicionam contra, um é o verso-reverso-anverso do outro.

Volto ao bilhete paulino. A polêmica é simultaneamente institucional e pessoal. Paulo, na cadeia, escravo do Império, escreve um bilhetinho ao dono de um escravo fugido - Filemon, carcereiro existencial de Onésimo (útil), inútil servidor. Reconhece o direito do proprietário. A instituição da escravidão não é condenada, não é denunciada, não é demonizada. Apenas é reconhecida como um dado, como elemento da facticidade social no império. Paulo brinca, joga com a facticidade. O vocabulário do bilhete flutua o tempo todo entre o pedir e o ordenar, entre o pessoal e o institucional. Não se trata de negar o institucional pelo pessoal.

É diferente. Trata-se de pensar o institucional a partir do pessoal (e vice-versa). A questão é a dos limites. Paulo pede a Filemon que faça o bem. O bem não pode ser imposto, não pode ser institucionalizado. Bondade é ação pessoal, é paixão humana. Instituições são impessoais, desumanas, apesar de feitas e dirigidas por seres humanos - demasiadamente humanos, brincando com Nietzsche. O pessoal não pode invadir o institucional e vice-versa. Por isso, Paulo pede, suplica, roga, apela ao coração de Filemon. Assim, estabelece limites: quando lidamos com pessoas, sempre temos de tratá-las de modo pessoal, nunca institucional.

A instituição dá a Onésimo uma identidade: escravo. Paulo oferece outra: irmão. O contrato social despersonaliza e desumaniza ao tentar humanizar. A aliança divina personaliza e humaniza ao dizer à instituição: fique dentro de seus limites - não use as pessoas, não as abuse, não faça delas escravas. Mas a instituição, embora despersonalizadora, não é demonizada. Eu diria, tem um lugar (lugarzinho????). Pois em um mundo marcado pelo pecado, é preciso também despersonalizar e institucionalizar os mecanismos de sujeição, de dominação, de opressão, de exclusão. Senão, teríamos de ser bonzinhos com as instituições dominadoras. Mas, instituições não são pessoas. Têm de ser tratadas institucionalmente, e não pessoalmente. Que a escravidão permaneça enquanto instituição. Que a irmandade permaneça como modo de ser e de viver em conjunto.

Pessoas são seres vivos, cujo direito à vida é insuperável. Instituições não. Elas não são seres, são coisas, efeitos de ações e relações. Assim, podem morrer. Melhor, devem morrer. E morrem!

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