segunda-feira, 21 de março de 2011

O princípio da mudança – narrador e personagens. Rute 2

Nesta mensagem vou me concentrar na descrição do narrador e dos personagens.

Começo com uma observação que é bastante frequente nas narrativas bíblicas: o narrador possui mais informações do que os personagens e as compartilha conosco, os leitores.

Por isso mesmo o capítulo tem início com uma informação do narrador que fica meio solta. Ele apresenta Boaz, parente do marido de Noemi e “senhor de muitos bens”; “homem rico e influente”, segundo a Nova Versão Internacional. Essa informação será útil a partir do v. 3. Ele também compartilha conosco o diálogo ocorrido entre Boaz e seus servos a respeito de Rute (v. 4-7).

Somos informados, igualmente, que Boaz age além do que estava previsto pela lei, que orientava o povo a deixar as sobras das colheitas para que fossem recolhidas pelos pobres e estrangeiros (Lv 23.22). Ele orienta os servos a permitirem que ela colha entre os feixes e que, inclusive, deixem cair algumas espigas dos feixes (v. 15-17).

Boaz, que é o principal personagem do capítulo do ponto de vista da ação, compartilha quase em nível de igualdade o conhecimento do narrador. Ele recebe a informação de quem é aquela moça que colhe em seu campo (v. 6). Ele sabe o que ocorrera com sua parente Noemi em Moabe e o que fizera Rute por ela (v. 11).

As informações que possuem o narrador e Boaz são contrastantes com a desinformação de Rute. Ela sai para os campos sem saber quem permitiria que ela exercesse o direito dos pobres (v. 2). Ela não sabe que o campo em que recolhe as espigas é de Boaz (v. 3). Ela desconhece, inclusive, quem é Boaz (v. 10, 13, 19).

No entanto, no plano da ação, ela iguala-se ao seu benfeitor. Vai para os campos, pede permissão para rebuscar espigas no campo de Boaz (v. 7) e segue as orientações deste (v. 8-14) e as de Noemi (v. 22-23).

Último personagem a ser considerado é Noemi. Fica clara a mudança de status sofrido por ela. Se no primeiro capítulo era foi o personagem principal através do qual a narrativa se desenrolou, aqui ela ocupa o segundo plano, sendo inserida na narrativa apenas no início e no final. Mesmo o papel de orientadora que exercera é minimizado, uma vez que é Rute que toma a iniciativa de sair aos campos, diante do que ela apenas concorda (v. 2b). Somente no final a anciã esclarece a nora sobre quem é Boaz (v. 20b) e a orienta a manter-se nos campos do parente (v. 22).

Dado a ser salientado é que, frente à visão negativa a respeito de Deus e sua ação apresentados no primeiro capítulo, aqui ela interpreta o procedimento de Boaz como uma ação “benevolente” de Deus para com ela (v. 20a.

Qual a consequência desses dados para os leitores? Creio que, de um lado, salientar a bondade de Boaz a partir daquilo que ele sabia. Ou seja, ele usou de modo adequado e piedoso as informações recebidas. Isso desperta em nós empatia para com ele.

Quanto a Rute, suas ações, apesar da falta de informação, fazem com que nos apeguemos cada vez mais a ela. Sua ação corajosa de sair para os campos, ao mesmo tempo humilde ao obedecer Boaz e Noemi, colocam-se como exemplos de fé e coragem para nós.

Na próxima mensagem focarei a descrição dos personagens e como ela influencia a narrativa.