segunda-feira, 11 de abril de 2011

Em busca da segurança familiar

Se o capítulo 2 resolve o problema da subsistência apresentado no início do livro, este capítulo aborda outra questão não tão imediata, mas igualmente importante: a necessidade de vínculo familiar, que implica, em última instância, em assegurar condições mínimas de sobrevivência.

Convém lembrar que um dos fatores determinantes para que Noemi retornasse para Belém, levando consigo sua nora, era a morte do esposo e filhos, o que as deixava vulneráveis do ponto de vista das relações sociais.

Noemi, mulher sagaz, ao ouvir os relatos de Rute a respeito do modo bondoso como foi tratada por Boaz, assume a iniciativa de desenvolver uma estratégia para fazer com que ele assuma o papel de resgatador de ambas.

O caminho é ligá-lo a Rute. Com isso, Noemi lhe dará um esposo em lugar do filho morto (3.1) e também terá assegurado seu futuro. Para tanto, orienta a nora a preparar-se (v. 3a) e a se encaminhar para o local onde Boaz se encontra trabalhando os frutos da colheita. Ali deve aguardar o momento em que ele se deita e então achegar-se aos seus pés (v. 3b-4). Depois disso, ele assumirá a direção da situação, diz ela. Rute não titubeia. Assume o plano e o coloca em execução (v. 5).

Rute age conforme o combinado. Aproveita que Boaz está um tanto alegre depois de um bom vinho e deita-se a seus pés (v. 6-7). No meio da noite ele acorda assustado ao ver que havia uma mulher ao seu lado. Certamente a escuridão não permite que identifique Rute, visto que já a conhecia. Ela se identifica, dizendo em seguida que ele deve “estender a capa sobre ela” (v. 9). Essa linguagem traz a ideia de um compromisso de casamento, ou mesmo sexual (cf. Ez 16.8), visto que ele é seu resgatador.

Como anteriormente, Boaz é gentil com Rute, exaltando o fato de que, ao invés de procurar jovens para relacionar-se, como era de se esperar, ela cumpre os compromissos familiares de Noemi, procurando-o (v. 10). A Bíblia do Peregrino é mais explícita nesse versículo ao dizer: “[...] pois não procuraste um ‘pretendente’ jovem, pobre ou rico”.

Boaz aceita de bom grado assumir o papel de resgatador (v. 11). No entanto, lembra que existe um impedimento legal, visto que há outro parente mais próximo de Noemi (v. 12). Portanto, ele sugere que ela permaneça por ali durante à noite, até que no dia seguinte a questão do resgate seja decidida.

Rute levanta-se antes do amanhecer para que não seja identificada por outras pessoas, visto que seu procedimento naquela noite havia sido arrojado e poderia comprometer Boaz (v. 14). Antes de sair, entretanto, Boaz, bondosamente, dá a ela seis medidas de cevada para serem levados para Noemi (v. 15).

Como no final do capítulo 2, Noemi novamente indaga a nora a respeito dos acontecimentos (v. 16). Ao ouvir o relato, orienta Rute a aguardar os desdobramentos, convicta de que Boaz resolverá a situação ainda naquele dia (v. 17-18).

Cabe uma reflexão aqui. Talvez decepcione o leitor moderno o modo como Noemi e Rute tratam o problema da falta de amparo masculino. Não vemos aqui nenhum dos elementos românticos tão presentes em nossa cultura. Pelo contrário. A situação é tratada de modo pragmático. O esposo é, antes de tudo, uma necessidade real e imediata.

É claro que existem questões culturais aqui. Não podemos ver o texto como normativo em termos de procedimento amoroso. Ao mesmo tempo, sob outro ângulo, o comportamento de Rute é altamente inspirativo. Assim como ela abandonou sua terra e seu povo para seguir e cuidar de Noemi, agora ela abandona a possibilidade de escolha amorosa para suscitar um resgatador e assim prover amparo para a sogra.

Nesse sentido, mesmo em detrimento da vantagem pessoal e de interesses próprios, Rute coloca em prática o cuidado amoroso para com Noemi. Essa é a proposta do texto e, ao mesmo tempo, seu questionamento para os leitores: até onde estamos dispostos a ir como consequência do amor ao próximo?