segunda-feira, 30 de maio de 2011

A "nova" perspectiva em chave semiótica

Já dizia Severino Croatto que toda leitura é um "fechamento de sentido" que possibilita uma nova leitura, uma nova "abertura de sentido". Assim, "nova" e "velha" perspectiva não deveriam ser entendidas em chave cronológica, ou substitutiva, como se a nova fosse a verdadeira interpretação de Paulo, enquanto a velha devesse ser marcada com o selo do erro incorrigível. O problema em jogo é o da "inércia" exegética, que, em muitos casos, fez da "velha" perspectiva a "única" leitura possível dos textos paulinos.

A meu ver, porém, além dos problemas já apresentados em relação à "velha" perspectiva (em meu post anterior), penso que outras questões devem ser retomadas em uma leitura dos textos paulinos hoje em dia: (1) a superação do dualismo ontológico a que os textos de Paulo foram submetidos - Paulo era um judeu e não um pensador grego platônico ou aristotélico; sua visão de mundo era "monista", com todos os limites e possibilidades que tal visão de mundo abre a seu possuidor; (2) não podemos reduzir os textos paulinos aos parâmetros das militâncias atuais. Paulo não era simplesmente "machista", "homofóbico", "racista" ou coisa similar. Independentemente da validade das lutas contemporâneas, não podemos retroagir nossa visão de mundo aos tempos antigos e projetar lá os defeitos ou as virtudes de nossas militâncias - e.g., Paulo não era "cristão", nem "protestante", ou algo que o valha; (3) os escritos de Paulo não apresentam um caráter sistemático, de modo que os critérios muita vez usados para determinar "autoria" ou "fidedignidade" de textos são relativamente precários - posto que quase todos eles dependem de uma visão conjunta da "obra do autor". Precisamos trabalhar com critérios precários e aceitar as limitações dos mesmos; e (4) há toda uma nova forma de ler textos paulinos (especialmente a carta aos romanos, mas que pode se ampliar a todo o corpus paulino) que se nutre das novas tendências interpretativas no pensamento filosófico europeu continental. Autores como Hannah Arendt, Jacob Taubes, Alain Badiou, Giorgio Agamben, Slavoj Zizek, Jacques Derrida, Richard Kearney e outros têm encontrado um "novo" Paulo, especialmente do ponto de vista das suas posições políticas e relativas à subjetividade.

Assim, em que a semiótica pode contribuir para a leitura de Paulo em "nova" perspectiva? (1) Como um paradigma alternativo de interpretação de textos (em relação à exegese bíblica e à hermenêutica filosófica), ela oferece um conjunto de perguntas e de modelos interpretativos que rearticulam as questões e os modos de ler os textos; (2) o projeto semiótico visa a uma leitura "integral" do texto, não focando apenas questões de conteúdo, mas questões sociológicas, psicoidentitárias, políticas, etc.; (3) o projeto semiótico não aliena as questões textuais das discursivas, ou, em linguagem mais tradicional, as questões de forma e as de conteúdo - de modo que se pode retomar também em chave semiótica a questão do gênero textual e discursivo, a questão da pragmática e da retórica, bem como a questão propriamente "literária"; e (4) o projeto semiótico não separa "exegese" de "hermenêutica", mas as vê como momentos complementares do mesmo processo de leitura, pois o que o texto "significava" e o que ele "significa" são, igualmente, construções co-enunciativas constituídas pelo ato de ler - de modo que há uma retroalimentação contínua entre "exegese" e "hermenêutica".

Ainda estamos "dando volta no toco", mas logo colocaremos as mãos à obra...